QUANTO AINDA PRECISAMOS EVOLUIR COMO SOCIEDADE?


“Não basta ser não racista, é preciso ser antirracista”

(Foto: Getty Images)

O ano é 2020. O século é XXI. E ainda precisamos falar sobre preconceito. Sério? 

Sério que ainda tem gente que acha certo disseminar comentários de ódio, que se acha superior por ser homem, branco e hétero? 

Sério que ainda acham que mulher é menos torcedora apenas por ser mulher? Que entende menos de futebol pelo seu sexo?

Sério que ainda precisamos de ações das torcidas organizadas e das barras bravas para reprimir esses atos? 

Sério que ainda precisamos falar sobre os gritos de “bicha” e “viado” nos tiros de meta?

Sério que ainda precisamos usar nossos espaços de fala para reprimir todo e qualquer preconceito?

Sério que ainda tem torcedor que acha o jogador inferior por ser preto? 

Sério! É sério! É inaceitável! É desprezível! É assustador! 

Acho que, por vezes, não sabemos como o outro se sente ao ouvir certas coisas — por não ser nosso local de fala — mas isso nunca deve ser motivo para nos calarmos. Eu, por exemplo, não posso dizer como um preto ou um homossexual se sente em determinadas situações, o meu papel é ouvir, aprender e apoiar. Vocês devem fazer o mesmo!

Aqui entra a minha primeira dica: o SporTv vem produzindo uma série de podcasts sobre racismo, o Ubuntu Esporte Clube. Jornalistas pretos abordam diversos campos — esporte, cultura, política etc — e dão uma verdadeira aula a todos nós. Acesse aqui para ouvir. 

Publicação santista foi feita para inibir torcedores preconceituosos de frequentarem a Vila Belmiro

(Foto: Divulgação/Santos F.C.)

A voz das arquibancadas e dos clubes 

Como torcedora e apaixonada por futebol, creio que Santos e Bahia sejam alguns exemplos de conscientização, no âmbito nacional — se você torce para outro time que também se posiciona, fico feliz, não quis dizer que não existem outros, apenas citei dois exemplos. Neste mesmo espaço, já falei sobre a minha admiração pelo técnico Roger Machado e tudo que ele representa. Ele está para o Bahia, assim como o Bahia está para ele. É o casamento perfeito. Não é o clube do meu coração, mas é o que tem toda a minha admiração. 

O Santos é outro que sempre utiliza seu espaço para dizer que nenhum tipo de preconceito será aceito. A publicação acima é um dos maiores exemplos. São posicionamentos como esses que ainda fazem falta no esporte em geral: “você não merece esse clube e não é bem-vindo em nossa casa”. 

Mas será que os clubes não se posicionam por medo? Medo de perder sócios, torcedores e dinheiro? Para produzir esse texto, conversei com pessoas que estão no seu local de fala e essa foi das questões levantadas por Daleth Dantas, colunista do Náutico no Blog Mulheres em Campo: 

— Como torcedora negra e baixa renda de um time completamente taxado como de burguês e de gente branca, eu vivo isso constantemente. A gente vem lutando todos os dias pelo posicionamento do clube em todos os atos preconceituosos, só que, mesmo se posicionando, o clube sofre ataques por apoiar as causas, a nível de torcedor deixar de ser sócio e ir a jogos. Então, temos o lado do clube que tenta fazer a coisa certa e que sofre pelo conceito histórico e cultural da torcida.

Acho que quanto mais falarmos sobre racismo, homofobia e machismo, especialmente nesse país que adora disseminar ódio e é apoiado pelos representantes políticos, será mais fácil os preconceituosos entenderem, NA MARRA, que isso não é aceitável. Aqui entram as torcidas organizadas, as barras bravas, os movimentos antifascistas e toda sua força. São eles que mostram ao restante dos torcedores — ao povão — que isso jamais será aceito naquele espaço ou em qualquer outro. 

A colunista do Corinthians e fundadora do Blog Mulheres em Campo, Mariana Alves, corrobora com essa opinião. Para ela, a luta é de suma importância, no entanto, ela não deve ficar apenas nas redes sociais: 

— É mais que necessário que os coletivos, torcidas e movimentos lutem e dêem voz aos que são silenciados. A questão vai além de hashtags e publicações de mídias sociais, vai pra rua, vai meter o dedo na ferida, cobrando medidas e punição aos culpados. Fico extremamente feliz vendo os movimentos, e isso, não só por parte da torcida do Corinthians, a qual faço parte, mas sim, de torcidas por todo o país, que evidenciam o papel sócio-político do maior esporte do país. Futebol é político em sua essência, e essa luta resgatou sua história.

Acho completamente equivocado da nossa parte, como comunicadores, falarmos de preconceito apenas quando isso explode. Quando algum caso completamente inexplicável acontece. Quando ficamos chocados que isso, realmente, ainda exista. Precisamos falar sempre, discutir, ensinar e aprender! 

Cortez comemorou o título gaúcho com essa camiseta significativa: vidas negras importam!

(Foto: Lucas Uebel/Grêmio)

A importância do posicionamento 

Nas últimas semanas, o esporte mundial, especialmente a NBA, resolveu boicotar os playoffs para não se calar perante a brutalidade sofrida por Jacob Blake, nos Estados Unidos. Foram sete tiros pelas costas. Antes, temos o assassinato de George Floyd, também no país americano. Mas não se engane, isso não acontece somente lá. Mas somente lá, isso repercute como deveria.  São dois casos totalmente absurdos. Duas situações inaceitáveis, que ganham voz graças ao posicionamento de grandes nomes. 

No Brasil, as atletas do Corinthians também se posicionaram, ajoelhando-se e erguendo o punho da mão direita, em alusão aos movimentos antirracistas. A ação ocorreu na quinta rodada do Campeonato Brasileiro A-1.

Depois da final do Gauchão, o lateral Cortez utilizou uma camiseta com os dizeres “vidas negras importam”. O filho do atleta, conhecido como Cortezinho, utilizou uma camisa similar, para registro nas redes sociais.  

São exemplos de atitudes que deveriam se expandir dentro e fora do esporte, em forma de união, para combater o racismo. É emocionante ver a união contra o racismo. É emocionante ver que há luta! Mas é triste saber que ainda precisemos discutir esse tipo de situação. 

Coligay foi criada em meio a ditadura, em 1977

(Foto: Divulgação/Libretos)

A coragem da Coligay

Ainda vemos muito homem usando a orientação sexual como pejorativo, utilizando “viado” e “bicha” para atacarem homossexuais. Falta muito para sermos uma sociedade evoluída, e isso é uma constatação. Mas essa também é uma luta antiga. 

Pesquisei sobre uma das torcidas organizadas formadas apenas por homossexuais: a Coligay, e achei um belíssimo texto do El País. No material, consta a informação central: formada em 10 de abril de 1977, a Coligay tinha cerca de 60 integrantes e, como vocês podem prever, foi tratada com repulsa por dirigentes e atletas. Mas isso não fez com que se calassem. 

— Ciente dos riscos de declarar a homossexualidade, sobretudo em um terreno machista como o futebol, ainda no contexto da ditadura, o mentor da torcida bancava aulas de caratê para que seus seguidores pudessem se defender de eventuais ataques homofóbicos de rivais e das próprias facções gremistas — aborda o texto do El País. 

Não há dúvidas de que, se nos dias de hoje fosse fundada uma outra torcida formada apenas por homossexuais, haveria repressão de outros torcedores. Mas temos noção da gravidade disso? Acho que precisamos começar a ter! 

É orientação sexual ou opção sexual? 

Há também um equívoco quando vamos nos referir a sexualidade das pessoas. Por falta de conhecimento, às vezes, falamos “opção sexual”, o correto é “orientação sexual”. Conforme um artigo do Jornal O Globo, traz a explicação:

— Vale esclarecer que ninguém se torna hetero, homo ou bissexual por opção ou escolha. Um conjunto de influências de ordem bio-psico-sócio-culturais nos inclina para esta ou aquela orientação (que não é opção) sexual. A homossexualidade (assim como a heterossexualidade) consiste, portanto, de uma tendência, para a qual nos orientamos, movidos pela atração — explica. 

Na foto, o time do Vasco campeão Estadual em 1923

(Foto: Reprodução)

Vasco, Ponte e Bangu: os pioneiros 

O Vasco é um dos primeiros clubes do Brasil a contar com jogadores pretos no seu elenco. Fazendo pesquisas para produzir esse texto, encontrei um material produzido pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol, que trazia essa curiosidade. Tu pode conferir aqui. Foi no ano de 1923, que o Vasco conquistou o título Estadual com um elenco formado por trabalhadores, pretos e de origem humilde. 

A Ponte Preta, por outro lado, defende ter sido a primeira entidade esportiva a implantar a democracia racial — o texto também está no site do Observatório — em agosto de 1900. Conforme ata, a equipe tinha Miguel Carmo, jogador preto, em campo. 

Por fim, outro clube que também é pioneiro quando falamos em promover atletas pretos à campo é o Bangu. A equipe iria disputar o Campeonato Municipal do Rio de Janeiro em 1905, com Francisco Carregal no time. Como foi impedida pela Liga Metropolitana do Futebol, por ter inscrito um jogador preto, a equipe decidiu não participar da competição. Tu pode ler os detalhes aqui

É preto ou negro? 

Essa é uma dúvida que eu sempre tive: qual a forma correta? Aprendi com o Babu, no BBB — reality show também é cultura, viu. À época, ele trouxe uma explicação bem didática, que vou reproduzir: 

— Pessoas de pele preta não eram chamadas de negro, eram mouros, africanos, qualquer coisa. Negro vem de ‘nigro’, do grego, que significa inimigo. Por isso que eu renego esse nome. Se você pegar no dicionário português, está escrito: ‘Que não remete luz, sinistro’. Não tem uma atribuição positiva para essa palavra. 

Fica a dica!

Se você, assim como eu, não está no seu espaço de fala, ouça aqueles que têm muito a nos ensinar. Siga nas redes sociais, assista no Youtube. Aprenda! Nos últimos dias, tenho ouvido muitos posicionamentos de artistas, jornalistas e atletas. Mas uma frase que gostei e, por isso, repito aqui, é essa do PC, comentarista do SporTv:

— Não adianta dizer que não é racista, precisa praticar o antirracismo. 

Ah, e meu último conselho, no âmbito esportivo é: não generalize! Com certeza, atitudes asquerosas de determinado torcedor não representam toda aquela torcida. Isso é de uma burrice sem tamanho. 

E se você não quer compactuar com racismo, homofobia e machismo, por favor, não se cale. Sempre que ver, ouvir ou ler algum posicionamento preconceito, posicione-se, denuncie. É assim que eles são reprimidos e combatidos. 

De resto, ainda temos que aprender e evoluir muito como sociedade! 

Por: Carol Freitas,

pelo futebol do interior

pelas mulheres no esporte

e pela nossa voz! 

*Esclarecemos que os textos trazidos nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do Blog Mulheres em Campo.


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