O encontro predestinado do Internacional e de Roger Machado


Sintomático e significativo casamento do Clube do Povo com Roger Machado 

Talvez tu, torcedor Colorado como eu, se pegue em um momento livre lendo esta crônica no conforto de um pós greNAL decisivo, onde o Clube do Povo foi superior de forma consciente e levou para dentro de casa uma vantagem para um clássico que decide o Campeonato Gaúcho,  e tenha se perguntado em algum momento de 2024 se Roger Machado, identificado e vitorioso com as cores do rival, era de fato uma boa contratação. 

Quando se nasce numa cultura tão bairrista e agarrada a pergunta simples e quase que decisiva de “tu é vermelho ou azul?”, e aqui com todo respeito aos clubes de fora da capital que trazem grandes histórias no futebol gaúcho, mas que de fato são coadjuvantes desta cena, se pegar  admirando de forma tão lúcida ou positiva alguém que  construiu uma carreira grande dentro do principal rival é um tipo de incômodo. Assim a ideia de Roger na casamata Colorada pareceu tão precipitada, confusa ou até errada. Seria mesmo essa a opção certeira para um time que vinha tentando se recuperar de uma catástrofe e de ideias que um dia pareciam tão boas, mas que se perderam no campo? Seria bom buscar um cara que tem seu nome gravado na “calçada da fama” gremista para se pôr à frente do Inter? A resposta veio com o futebol, com o tempo e com a maturidade. 

O Inter de Roger Machado hoje não só volta à uma final de estadual que não vence há 9 anos, além de levar para dentro de casa uma vantagem importante, com um futebol consistente e consciente, mas principalmente porque leva para o Beira Rio uma equipe que sabe o que faz e nas palavras do próprio Roger “está pronta para ser campeão”. Dito isso, entre a precipitação de se falar no título antes do jogo acontecer  ou do oportunismo em um possível pós título, resolvi  falar sobre o que fica um pouco fora das quatro linhas.

Foto: Ricardo Duarte/ SC Internacional 

Na tarde escaldante deste sábado (8), à beira do gramado, na casamata Alvirrubra estava um homem que a cada dia mais parece, ironicamente, predestinado a viver o Sport Club Internacional. Em sua negritude e toda significância, Roger Machado, o único técnico negro  dentre a elite do futebol brasileiro, dizia em silêncio, através da estampa em sua camisa, versos de uma vínculo entre o homem, o profissional e o clube em que está.

O professor escolheu vestir diante de seu ex-clube não uma camiseta “comum” de dia de jogo. Roger poderia ter escolhido dezenas de opções em vermelho e branco, mas a sua escolha foi por uma das icônicas estampas de luta anti racista. Camiseta e luta que vestem o Internacional desde a sua fundação, crença que permeia o Colorado popular, o Inter de todas as fés, cores, etnias e escolhas. 

A cena do professor inquieto orientando o time Alvirrubro, vencendo um clássico importantíssimo dentro da casa do rival, que vem de uma sequência de títulos estaduais e que tomava um banho de bola, tem tantas camadas. No entanto, não poderia passar despercebida uma camada que deixa escolhas, crenças e lados bem definidos. 

Quando um vence há de ter um perdedor, quando um lado defende algo há sempre aquele que talvez se identifique melhor com o outro lado da situação. Na casamata gremista substituindo o técnico Quinteros, Leandro Desábato, ex-zagueiro argentino que possui seu próprio e bem próximo vínculo com o racismo. Aos que sentem a memória falhar, o homem  a frente do Grêmio derrotado neste sábado foi preso em 2005, no Brasil, quando ainda atuava pelo Quilmes e proferiu ofensas racistas ao  jogador Grafite numa partida contra a equipe do São Paulo. Coincidência que o “técnico” do adversário seja alguém já preso por racismo,  quando o próprio Grêmio tem na sua história (aqui vou me limitar a somente um episódio) uma eliminação dentro desta mesma Arena por racismo? Afirmação de crenças? Encontro predestinado como acontece com Roger e o Internacional? Quem poderá responder com propriedade, enfim. 

O futebol por si só trás conexões que vez por outra, por situações ou por escolhas pessoais, decide-se colocar por baixo dos panos, por detrás de lances, gols e polêmicas sobre arbitragens, linhas de impedimentos ou resultados. Impossível não pensar na cena que possivelmente tenha passado pelos olhos do leitor como passou por mim.  O caso do garoto Luighi, que com olhos marejados e coração dolorido, declarou: “é sério mesmo que a gente não vai falar sobre isso ?”. 

Silêncio ensurdecedor, quando muito havia a ser dito. Assim fica claro o quanto Roger disse, mesmo sem proferir uma palavra.

Por Jéssica Salini

*Esclarecemos que os textos trazidos nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do Portal Mulheres em Campo. 


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