MENINOS DO NINHO: QUANTO VALE UMA VIDA?


Sei que muitos não entenderão este título em um blog futebolístico, porém é chegado o momento de colocar o dedo na ferida. Quanto vale uma vida?

Há cerca de um ano, fomos tomados pela triste notícia de um incêndio no Flamengo. 26 jovens da categoria de base estavam no alojamento que pegou fogo depois de um curto-circuito, 10 morreram e 3 ficaram feridos.

“O ar-condicionado pegou fogo, daí foi gerando um curto-circuito em todos os ar-condicionados, pegando tudo. Foi muito rápido, muito rápido. Não deu para conseguir chamar quase ninguém”, relatou na época o zagueiro Samuel Barbosa.

A tragédia só não foi maior, porque em virtude de não haver jogos naquele fim de semana, os atletas foram para as suas casas, restando ali apenas os que moravam em outros estados. Na época o local que no alvará constava como um estacionamento, foi taxado de puxadinho. 

Naquele dia o futebol perdeu dois possíveis goleiros Christian Esmério e Bernardo Pisetta; xerifes da zaga também partiram: Pablo Henrique da Silva e Arthur Vinícius de Barros Silva Freitas. Na lateral,  Samuel Thomas de Souza Rosa, desfalcará para sempre o time. A meia canja não contará com Jorge Eduardo dos Santos, Rykelmo de Souza Viana e Gedson Santos; e as redes não balançarão com os gols dos atacantes Vitor Isaías e Athila Paixão. Os atletas tinham entre 14 e 16 anos.

Ao todo dez atletas faleceram. Foto: El País

Famílias, torcida e clube devastados no que foi considerado a maior tragédia da história do Flamengo. “Os meninos do Ninho”, como foram chamados pelos torcedores, deixaram um vazio, além de muita luta por parte de seus familiares, isso porque desde o ocorrido é na justiça, que lutam por seus direitos.

Uma grande disparidade marcou o ano de 2019 no rubro-negro: de um lado o clube vitorioso, que investiu milhões para conquistar a América; do outro a incansável batalha pelas indenizações. Por isso lhes pergunto novamente: quanto vale uma vida?

A defensoria do estado e o Ministério público do Rio de Janeiro sugeriram 2 milhões no ato e 10 mil reais mensais até os 45 anos de cada vítima. Fazendo cálculos rápidos chegaríamos ao montante de 20 milhões, 10% dos 200 milhões gastos pelo clube em contratações. Para se ter uma idéia, somente o valor gasto na contratação do meia Arrascaeta, quitaria o valor com todas as famílias.

“Os dirigentes decidiram arrastar nosso sofrimento. O Flamengo gasta 200 milhões para contratar jogadores. E eu vou chorar a vida inteira pelo meu filho”, declarou Cristiano Esmerio, pai do goleiro Christian.

Cristiano cobra um posicionamento do clube. Foto: Fernando Souza

Para o Flamengo, que usou de outros casos para chegar ao valor de cada atleta morto na tragédia, uma indenização de 400 mil, mais uma pensão de um salário mínimo por mês durante 10 anos, bastaria. O acordo foi veementemente rechaçado pelos familiares, que taxaram como tortura todo o processo de negociação. Na reunião marcada para acerto, o presidente do clube Rodolfo Landim, não compareceu, o que aumentou a insatisfação dos presentes:

“Onde está o presidente?, Será que ele tinha algo mais importante para fazer? É uma falta de respeito. Isso não se faz nem com cachorro. Qualquer tipo de negociação está encerrada”, declarou Danrlei, pai da vítima Bernardo Pisetta.

O clube conseguiu fechar as indenizações dos sobreviventes e também de quatro jogadores que morreram. Os atletas  foram reintegrados ao elenco e seguiram seus trabalhos ao longo do ano de 2019.

“Por se tratarem, em sua maioria, de famílias de baixo poder aquisitivo, algumas acabaram concordando com os valores impostos pela diretoria do Flamengo para receber logo a indenização e por temerem que daqui cinco ou dez anos o clube não tenha a mesma saúde financeira para honrar acordos judiciais”, disse a coordenadora da Defensoria Pública do Rio, Cintia Guedes.

As famílias que não chegaram a um acordo, aguardam o fechamento do inquérito e devem travar por anos uma batalha judicial com o clube carioca. O medo dessas famílias é que o caso caia no esquecimento.

Torcedores do Flamengo levam cartazes de protesto aos jogos. Foto: El País

“É triste ver o Flamengo nesse momento tão bonito e ainda não ter chegado a um acordo com todas as famílias das vítimas da tragédia no Ninho do Urubu. Eu me sinto envergonhado. O clube atualmente tem recursos [para pagar indenizações]”, declarou o ator Cauã Reymond, durante sua participação no programa Encontro.

O que poucos tem se questionado é que de fato aconteceu um crime, e até agora os culpados não foram punidos. Pelo inquérito, 8 envolvidos foram indiciados por homicídio culposo (quando se assume o risco), incluindo os engenheiros responsáveis pela obra.

Um novo ano começou e eis que toda essa triste história ganha um novo capítulo. Um daqueles episódios de nos estarrecer e nos fazer questionar tudo novamente. Afinal, quanto vale uma vida?

O rubro negro resolveu dispensar alguns dos sobreviventes. São eles: Felipe Cardoso (meia), Wendel Alves (atacante), João Vitor Gasparin Torrezan (lateral-direito), Naydjel Callebe (zagueiro) e Caike Duarte Pereira da Silva. Sobre o caso, o Flamengo declarou se tratar de uma “decisão técnica”, e os atletas foram comunicados nos dias 7 e 8 de janeiro.

Manchete do Globo Esporte sobre as dispensas. Foto: Reprodução

Imediatamente o Vasco se prontificou a receber os jogadores para um período de teste no clube. Um ato louvável, que permitirá que esses jovens mantenham vivo, o sonho de brilhar nos gramados.

“Eles terem saído do Flamengo não é demérito. É um clube de alto rendimento e os jovens podem oscilar. Mas a pressa que a gente teve de colocar o Vasco à disposição teve um caráter social. O Vasco tem essa parte social muito sensível sempre. Faz parte da essência e da história do clube. Não tem como fugir disso”, explicou o coordenador Wiltor Bastos, ao Globoesporte.com.

Foi a partir desta manchete que resolvi escrever este texto. Inicialmente custei a acreditar que fosse verdade, o lado de educadora pesou muito. Depois pensei no ato lindo do clube cruz-maltino. Por fim, externei o que considero uma obrigação do Flamengo “custear o tratamento psicológico dos jovens a longo prazo”, fato que a  diretoria do clube deixou claro que fará caso as famílias julguem necessário.

Ciclo natural ou ato desumano? Como encarar tal ação? Os familiares já declararam que foram pegos de surpresa, então teria faltado empatia do clube? O Flamengo não tem que oferecer contrato vitalício a nenhum dos atletas, mas tem que tratá-los com o devido respeito e consideração!

Nos próximos dias a tragédia completará um ano e várias homenagens têm sido planejadas pela parte rubro-negra. Assim lhes pergunto: como homenagear pessoas que o clube mesmo se nega a ver?

Estampar camisetas, publicar notas melancólicas em seu site, vender a imagem? Enquanto tudo é feito em prol do dinheiro, mães e pais, terão  a triste lembrança do pior dia de suas vidas. 

No fim, o dinheiro vence, sempre vence, numa espécie de banalização da vida.

Por Mariana Alves

Colaboração: Carla Andrade

Fonte: El País/ Globo Esporte


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