FUTEBOL E POLÍTICA: ALIADOS OU RIVAIS?


Originalmente, o termo “Política” vem do grego “politeia”, que indicava todos os procedimentos e ações ligados à Polis, antiga cidade-estado grega. Já “Futebol” é simples, claro e objetivo, vem do inglês “pé e bola”. Duas coisas a princípio distintas, uma super complicada já em sua etimologia e a outra simples e fácil, mas que já se cruzaram por diversas vezes na história. Se um fala sobre povo e sociedade e o outro é o esporte das massas, por que ficamos com a impressão de que são coisas opostas?

Para começar a entender essa história, é preciso esquecer a ideia de política como partido e passar a enxergá-la como a origem da palavra pede: Ações que dizem respeito a uma sociedade. Tudo o que for social, tudo o que afetar a vida de uma comunidade, é política. Dito isso, voltamos dois séculos para trás e chegamos ao final do século 19, quando se tem os primeiros registros de ingleses jogando futebol nas duas principais cidades portuárias do Brasil (Santos e Rio de Janeiro) antes mesmo de Charles Miller oficializar o esporte no país. O futebol chegou sendo um esporte majoritariamente branco e de elite. Registros históricos apontam que, na época, via-se alguns negros que trabalhavam nos portos (um dos poucos lugares que empregavam pessoas não-brancas) jogando futebol com marinheiros, mas com o fortalecimento do esporte e a criação de equipes, ele se tornou oficialmente restrito às camadas mais altas da sociedade. 

Miguel do Carmo, o primeiro negro a disputar uma partida oficial de futebol no Brasil. Foto: Reprodução/Observatório Racial do Futebol

O primeiro clube brasileiro a aceitar negros em seu plantel foi a Ponte Preta, fundada no ano de 1900, já tendo como parte de seu elenco Miguel do Carmo, o primeiro atleta negro a disputar uma partida oficial de futebol no Brasil. Depois de Miguel, Francisco Carregal entrou em campo no ano de 1905 pelo Bangu em partida histórica contra o Fluminense. Já na década de 20, o Vasco se tornou o primeiro brasileiro a ter um elenco com maioria negra, criando uma associação em defesa de seus jogadores quando Fluminense, Flamengo e Botafogo, clubes formados pela elite da época, se posicionaram contra a aceitação de jogadores afrodescendentes na Liga. Tanto o ato de Bangu e Ponte Preta, quanto o manifesto iniciado pelo Vasco da Gama foram atos políticos, em defesa de minorias e buscando a igualdade dentro do esporte.

Outro brasileiro que já nasceu político é o Corinthians. Fundado em 1 de setembro de 1910, a equipe nasceu quando um grupo de operários do Bom Retiro (bairro paulistano famoso por suas fábricas e comércios) assistiu a uma partida do Corinthian FC, time da elite inglesa que excursionava pelo Brasil, e decidiu então criar a própria equipe de várzea. Sem recursos e tendo que fazer a famosa “vaquinha” até para comprar a primeira bola, o presidente Miguel Battaglia foi contra a cultura de exclusão que dominava o esporte na época e deixou claro desde o primeiro minuto que “O Corinthians é o time do povo e é o povo que vai fazer o time”. 

Faixa levantada por jogadores do Corinthians em partida no Estádio do Morumbi: Ganhar ou Perder, mas sempre com Democracia. Foto: Ag. Estadão.

Anos depois, na década de 80, a equipe do Parque São Jorge ainda ficaria marcada na história política do Brasil com o movimento Democracia Corinthiana, encabeçado por Sócrates e Casagrande durante a ditadura militar, com o objetivo de aumentar a participação dos atletas nas decisões internas e trabalhistas do clube, além de incentivar a população a lutar pelo seu direito ao voto. 

Quando se trata do futebol feminino, a política é ainda mais presente. A primeira partida da modalidade realizada entre mulheres no Brasil aconteceu no ano de 1921, entre as Senhoritas Catarinenses e as Senhoritas Tremembeenses. A alegria durou exatos 43 anos, até o ano de 1964 (início do golpe militar no país), quando o CND – Conselho Nacional de Desportos proibiu legalmente a prática de futebol por mulheres no país. 20 anos antes a prática já passava a ser mal vista no país, graças a um decreto assinado pelo então presidente Getúlio Vargas que dizia que o corpo feminino era incompatível com a prática desportiva.

Na época, considerava-se que o corpo da mulher não era feito para jogar futebol. Foto: Reprodução/Acervo Público do Museu do Futebol

As brasileiras só puderam voltar a jogar futebol de forma legal no ano de 1981, quando o decreto foi revogado e a Seleção Brasileira masculina já era tri-campeã do mundo. O futebol feminino só passou a ser considerado um esporte olímpico em Atlanta, 1996, ano em que as brasileiras conquistaram o quarto lugar. Nos dias de hoje, mulher e futebol segue sendo símbolo de luta e resistência. Muitos dos grandes clubes até o ano de 2019 investiam muito pouco ou quase nada na modalidade e passaram a olhar com mais carinho após determinação da Conmebol que só permite que clubes com equipes femininas ativas joguem a Libertadores da América. 

Fora das quatro linhas, as torcidas organizadas são um belo exemplo de ato político. Contrariando estatísticas, sendo diariamente marginalizadas e mal vistas, são elas que elevam as arquibancadas a outro patamar, cobram diretorias e clubes pelos direitos dos torcedores e promovem ações sociais em prol de comunidades espalhadas por todo o Brasil.

Torcidas organizadas seguem sendo a maior base das arquibancadas. Foto: Reprodução/Brasil de Fato

Trazendo tudo isso à realidade atual do mundo, em meio a uma pandemia que há dois meses separa torcedores e times, atletas e bola, é possível dizer que política e futebol são rivais opostos? Sabe-se que o futebol é feito por pessoas, dentro e fora de campo, torcendo, jogando, trabalhando, organizando e fazendo tudo funcionar. Todos eles, acima de tudo, acima de qualquer montante astronômico movido pelo esporte (que é paixão para muita gente, mas também virou negócio) fazem parte da nossa sociedade e são seres humanos com vidas, histórias, familiares, filhos, pais, mães, esposas, esposos. Ainda que clubes sejam empresas e empresas precisem de giro econômico para se manter abertas, vale a pena arriscar tantas vidas em um momento onde todas as entidades competentes recomendam o isolamento? 

Na última rodada disputada do Gaúchão, jogadores gremistas entraram em campo usando máscara. Foto: Lucas Uebel/Getty Images

Como torcedora, eu não vejo a hora de voltar a poder ver meu time em campo. Não vejo a hora de sentir a emoção de subir a rampa da Arena Corinthians com uma cerveja na mão, faixa no pescoço e cantando os gritos da minha torcida. Mas entendo que hoje, o maior ato dos torcedores com seus clubes e dos clubes com seus torcedores e funcionários, é respeitar o isolamento. Se trata sim, de política, pois tudo que envolve a sociedade é sobre política, mas para além disso, é sobre vida e humanidade. É hora dos clubes e federações pensarem menos em dinheiro e mais nas vidas que podem (e vão se perder) com o retorno do futebol. Campeonato perdido se recupera, dinheiro se recupera, ações de TV se recuperam; a única coisa que a gente não pode recuperar são as vidas das mais de 10.000 pessoas que já morreram de COVID no nosso país. 

Respeite o isolamento, fique em casa e cobre seu clube de ter uma postura adequada. Ainda temos muitos gols para gritar juntos, mas não agora, não em meio a tantos corpos. 

Por Victória Monteiro

*O conteúdo trazido nesta coluna não reflete, necessariamente, a opinião do Blog Mulheres em Campo


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